O psiquiatra e escritor Flávio Gikovate morreu, aos 73 anos, no dia 13 de outubro de 2016. Publicou 34 livros e era um dos pioneiros no estudo sobre sexo no Brasil: uma grande perda. Particularmente, creio que alguma coisa do que hoje sou se deve a ele. Entre meus 30 e 40 anos, debrucei-me sobre seus livros, buscando auxílio para encontrar meu próprio eu, reconstruir minha identidade. Viajar sozinha é apenas a consequência de um estado de ser. Confira no texto abaixo.
Eu, só |
Não
é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milênio. As relações
afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o
conceito de amor.
O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na
qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não
mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu
bem-estar.
A
ideia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o
romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de
que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos
sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização
que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas
características, para se amalgamar ao projeto
masculino. A teoria da ligação entre
opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei.
Se sou manso, ele deve ser agressivo,
e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por
sinal.
A palavra de ordem deste século é
parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo.
Eu gosto e desejo a companhia, mas
não preciso, o que é muito diferente.
Com o avanço tecnológico, que exige
mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e
aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber
que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um
elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É
apenas um companheiro de viagem.
Flávio Gikovate