domingo, 13 de novembro de 2011

XIV- Fantasias 2

Por que não?
Primeiro tempo
Ela chegou ao hotel e foi direto para o bar. Jogou o chapéu e as sacolas de compras sobre uma poltrona e, praticamente, desabou em outra. Havia caminhado o dia inteiro, subindo e descendo ladeiras, os pés estavam em carne viva. Não resistiu e tirou os sapatos, mas se conteve ante a vontade irresistível de esticar os pés sobre a mesinha de centro, repleta de folhetos de turismo. Não tinha ânimo para nada, mas sabia que precisava, urgentemente, de um drink, forte o suficiente para fazê-la relaxar.
Sem que ela fizesse qualquer sinal, o barman aproximou-se com o cardápio nas mãos. Ela conferiu as opções e pediu um Havana Club (Añero Reserva). O rapaz, um mulato forte, de olhos amarelados como os de um gato e um enorme sorriso, então lhe perguntou:
- Você gosta dos cubanos?
E, diante do olhar confuso que ela lhe devolveu, ele logo completou:
- Estou me referindo ao rom, cubano...
Mais uma vez ele quase engoliu o b, de cubano, dando a ela a certeza de sua proveniência, deixando-a curiosa por saber como e porque havia deixado seu país de origem.
- Ah, sim – ela respondeu. - No Brasil é difícil encontrá-los.
- Você parece cansada, andou muito?
- O dia inteiro, mal parei para fazer um lanche. É tudo tão bonito e, para nós, brasileiros, é como se estivéssemos fazendo uma viagem por nossa própria história...
- Você vai ficar muitos dias? Eu poderia lhe indicar alguns lugares que considero imperdíveis...
- Eu ainda não sei - interrompeu-o.
Pela primeira vez, naquele dia, ela havia se dado conta de que, pela primeira vez na vida, estava fazendo uma viagem sozinha. Havia deixado para trás um ex-marido intrigado, dois filhos adultos perplexos, e iniciado aquela verdadeira aventura solitária cujo roteiro começava ali, em Lisboa.
– Talvez fique mais uns dois ou três dias, quem sabe?
Ela ainda tinha tempo para se decidir, ligar para sua agente de turismo no Brasil e confirmar as reservas feitas em hotéis de Madri e Paris. Terminou seu drinque e subiu; preparou um banho morno; pediu o jantar no quarto: apenas uma salada.

Segundo tempo:
No dia seguinte, voltou de suas andanças por volta das sete horas da noite. O cubano lá estava em seu posto no bar e foi, então, que ela notou o quanto ele era atraente. Não estava tão cansada como no dia anterior, havia tomado algumas providências. Pelo menos umas três vezes havia parado para tomar um café ou almoçar, e também havia trocado os sapatos fechados por uma sandália rasteira. Visitou todos os lugares que ele havia lhe indicado e se descobriu ansiosa por partilhar suas impressões. Mas, ele estava ocupado com outros hóspedes. Serviu-lhe a mesma dose do rom cubano, mas não se deteve. Ela terminou o drinque e subiu, preparou um banho morno e pediu um jantar no quarto: apenas uma salada.
Qual não foi sua surpresa ao abrir a porta para o camareiro e se deparar com ele, pedindo permissão para entrar no quarto e depositar a bandeja sobre a mesa. Ela foi assaltada por sentimentos e sensações que há muito (há muito tempo, mesmo) não experimentava. Não sabia o que fazer, muito menos o que dizer. Foi quando ele lhe disse.
- Amanhã é meu dia de folga. Eu gostaria de lhe convidar para jantar. Um lugar simples, mas onde se faz o melhor bacalhau da cidade: você aceita?
Ela vacilou por um segundo, mas, logo em seguida pensou: por que não?

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